quinta-feira, abril 30, 2020


Ballard outra vez

"Mais tarde, sentado na varanda a comer o cão, o Dr. Robert Laing refletiu sobre os estranhos acontecimentos que nos últimos três meses tinham ocorrido no interior do prédio enorme."


"Arranha-Céus",  J. G. Ballard

sábado, abril 25, 2020

25 Abril


O cravo fez login no Zoom, mas ninguém apareceu.

Bom.

25 de Abril para lá desta coisa que estamos a viver.

25 de Abril sempre.

terça-feira, abril 21, 2020

O pequeno ditador

Para muitos, a reabertura das creches em Maio é um evento mais esperado do que a comemoração oficial do 25 Abril deste ano (com ou sem estadistas).
Sei do que falo.
Eu estive lá, nas trincheiras domésticas, a combater o pequeno ditador de três anos. Guerra química, manchas nas paredes, granadas em forma de legos, etc. Destruição total. Uma infâmia, uma violência sem fim. Já nem falo da tortura do sono. Os diversos pedidos de clemência foram refutados com uma enorme sobranceria misturada com um desdém imperial. Mas a arma mais temível por parte do pequeno ditador é a guerra psi.
A ditadura/tirania instalou-se há muito nos meus domínios, "até onde a vista alcança".
Esqueçam lá o raio das petições.

quarta-feira, abril 15, 2020

A volta do parafuso

"There was nothing for me to do all day but roam with a beating heart."


terça-feira, abril 14, 2020

sexta-feira, abril 10, 2020

A evolução da espécie


Se a quarentena se prolongasse por mais tempo - estou a pensar por uns bons milhares de anos (mais coisa, menos coisa) - é bastante provável que a nossa fisionomia, compleição, morfologia, atributos, etc. sofressem um lenta e sábia mutação. O que vão ler é um exercício puramente especulativo, mas que obedece aos conceitos basilares do darwinismo.

1. Deixaríamos de ter impressões digitais por causa do uso mais ou menos contínuo de luvas (ou seja, não teríamos contacto directo com superfícies; assim, a necessidade de agarrar, de apreender, seria negligenciada). No entanto, não estou em condições para me pronunciar sobre as linhas da mão (Vida, Coração, Mente, os vários montes, etc).

2. A capacidade de orientação e localização ficaria bastante condicionada: as trajectórias mais curtas e pouco diversificadas (supermercados, hospitais) iriam acabrunhar o lobo parietal, a área do cérebro responsável pela orientação espacial.

3. Rosto:
   3.1. Nariz: não tenho a absoluta certeza de como seria a evolução deste incrível apêndice; tanto poderia ficar mais pequeno, mais achatado, por causa do uso prolongado da máscara, como poderia tornar-se mais bicudo, mais adunco, num esforço de diferenciação biológica dos restantes narizes já achatados. Sugiro uma leitura mais atenta da obra "O Nariz" de N. Gogol para esclarecimentos adicionais.

   3.2 Olhos: ficariam mais redondos ou rasgados. Uma vez mais, dado o uso sistemático da máscara, a visão seria o sentido mais propenso a uma evolução para passarmos mensagens não verbais; os olhos assumiriam um lugar de destaque na comunicação humana - os olhos voltariam a ser o mensageiro privilegiado de paixões, tristezas, desagrados, enfados, entusiasmos, etc.

   3.3. Orelhas: assumiriam uma forma mais parabólica, parece-me que aqui não há espaço para divergências. Iríamos estar mais atentos aos vários tons do silêncio, aos múltiplos sons da natureza (que sempre existiram), aos sons de animais selvagens que povoariam novos territórios (cidades, vilas). A ocupação gradual da malha urbana por predadores obrigar-nos-ia a um grau de alerta mais elevado.

   3.4. Boca: as bocas seriam pequenos travessões, dado que não usaríamos mais os lábios para sedução. E muito menos para cantar em grandes recintos, logo acabaria por haver uma menor projecção da voz. A actual distância obrigatória de 1, 2 metros entre as pessoas não requer um aparelho fonador muito desenvolvido. Ou, se quiserem, não obriga a grandes bocas.
           
4. Pele mais clara, rosa, translúcida. Pouca exposição solar. Não vou debruçar-me muito sobre este ponto, porque parece-me por demais evidente.

quarta-feira, abril 08, 2020

A senhora-iuca


























Hoje aterrou esta ideia na minha cabeça: neste momento, somos todos cactos, iucas e agaves. E aloés, e suculentas, talvez. 
Porquê? 
Porque não nos é permitido apertar as mãos. Nem abraçar. Nem beijar. Estamos num deserto táctil causado por um bicho invisível e temos que manter a distância para bem de todos.

Fila de entrada para o Pingo Doce. 
Uma mulher-iuca - com canadianas - discute com um segurança-cacto que deve entrar antes dos restantes que já estão na fila há algum tempo. As pessoas-cactos respeitam a distância aconselhada. O segurança-cacto informa-a que deve apresentar uma declaração/comprovativo em como tem efectivamente uma incapacidade motora igual ou superior a 25% (ou algo assim). É gerada a confusão. A senhora-iuca de canadianas atira-se dramaticamente (em semi câmara-lenta) ao chão. O segurança-cacto fica visivelmente constrangido. As pessoas-cacto não sabem o que fazer. Ninguém sai do sítio. Prometi a mim mesmo não usar o caracterizador "kafkiano" nesta história. Um senhor-agave (o seu nome é Gastão, vim a saber mais tarde) ameaça chamar uma ambulância para a senhora-iuca prostrada no chão. A senhora-iuca põe-se de pé e diz que já não é preciso. Vai-se embora a ameaçar o segurança e o PD. "Isto não fica assim". A ordem é lentamente restabelecida. Repito, não vou usar o adjectitvo "kafkiano".

O meu filho de 3 anos já sabe abraçar árvores. Já sabe dar um "chi" (na verdade, passa-se exactamente o oposto: é a árvore que lhe transmite o chi que o acalma de alguma forma, mas isso não interessa agora). Está a ser difícil desensiná-lo a não abraçar amigos ou familiares que não vivem connosco.
A senhora-iuca de canadianas - podemos reprovar a sua conduta, censurá-la, atirar a primeira pedra - estava a precisar de um abraço. Um simples abraço e tudo ficaria resolvido no mundo dos homens-cacto e das mulheres-suculentas. Era necessário um pequeno oásis afectivo ali à entrada do Pingo Doce. 

E para terminar, deixo ao vosso critério a pontuação mais adequada para esta frase:

Esta travessia no deserto é mesmo necessária 

(ponto final, ponto de exclamação ou ponto de interrogação?)



terça-feira, abril 07, 2020

Signo chinês


Este novo signo chinês está cheio de contradições: tem um perfil muito discreto, passa despercebido a olho nu, mas dá-se com quase toda a gente, é muito social.
Além de que não gosta de máscaras, é muito directo.