terça-feira, janeiro 07, 2020

A voz dentro da cabeça

Em todas as histórias de heróis, há sempre um personagem que está a vigiar uma ponte, um portal, uma passagem, etc, envolto(a) numa bruma ameaçadora, misteriosa. O guardião pode ser humano (normalmente é mais velho, pode apresentar cicatrizes). Nas histórias fantásticas, poderá ser um "half breed" ou uma criatura de outra raça. Nas histórias mais verosímeis, poderá ser até a sua própria mãe, como foi o caso do nosso primeiro rei, o A.H..
E o sinal inevitável:
"Não Passarás".
Não passarás.
Não passarás, porque se o fizeres, vais morrer.
Muito raramente, nestas histórias, o herói volta para trás com medo. Porque, se o fizer, a história acaba ali. Medo. É isso de que estamos a falar não é? Do Medo com maiúscula que veste uma roupa demasiado grande para o seu verdadeiro tamanho. No entanto, é o Medo.
O herói é obrigado a combater o guardião da ponte ou decifrar um enigma, responder correctamente a uma adivinha.
O herói falha e volta a falhar. O guardião pergunta:
"Será este o teu caminho? Queres mesmo atravessar esta ponte? Vais morrer. Vais enlouquecer. Não estás preparado. Fica onde estás. Volta para trás, pobre imbecil."
E continua esta ladaínha ad nauseam, faz a mesma pergunta, vezes e vezes sem conta.
Naturalmente, o herói - porque estamos sempre a falar de um herói - ainda que possa falhar, não desiste. Como poderá desistir? É o herói de história.
Fica à espera que algo divino ocorra, faz a prece aos deuses, continua a tentar. O Tempo, embora não pareça nos primeiros tempos, é o seu maior aliado.
E, no fim, após diversas tentativas dolorosas, o herói reconhece que o guardião da ponte não é verdadeiramente o seu inimigo. E muito menos o Medo.