terça-feira, janeiro 28, 2020

Hendrix





Fiz o exercício racional de isolar os instrumentos. Mesmo sem Hendrix na equação, a secção rítmica faz um trabalho notável. Noel Redding & Mitch Mitchell. A estrutura óssea que segura os devaneios do guitarrista.

Depois, introduzi a guitarra. Já desisti de decifrar todos os acordes. Com o baixo é possível localizar a escala, mas depois ele salpica gotas musicais que não sei bem de onde vêm. Mas também para quê? Qual é o objectivo saber a tensão ou força da pincelada em Guernica?
E depois ele meteu a língua à mistura. Não queria tornar isto num chiste erótico de duvidosa qualidade, mas, a dada altura, já não sabemos onde a guitarra começa e o homem acaba. Ele está a tocar-se? Ou continua ainda a tocar uma guitarra? É um exibicionista? Um virtuoso?

A razão deu facilmente lugar a um exercício espiritual.

O menos assinável no tema é a voz (podem encolher os ombros). Ainda assim, o defeito é feitio mas já não é deste mundo.
Vamos relativizar as coisas e vamos pensar nos descendentes: o próprio Page, Prince, SRV, L. Kravitz, John Frusciante, Gary Clark jr. Estrelas com muito talento, sim, mas o sol é o Sol porque está mais perto de nós.

Vamos recuar aos ascendentes: Buddy Guy, Muddy Waters, T-Bone Walker, Robert Johnson. Estamos a falar de sofrimento, do blues, da África no Delta e depois para Chicago. Ele bebe o legado, respeita-o mas transfigura a coisa e faz o upgrade para o divino.  É o único tema musical deste universo que me faz chorar e rir ao mesmo tempo.




Nota: é importante mascar pastilha elástica enquanto se tece um novo salmo eléctrico. 

segunda-feira, janeiro 27, 2020

Orelhas

Já vos aconteceu irem a um café, pedirem um café e a empregada servir o café enquanto olha para a vossa boca?
Não? Sim?
Pois a mim acontece-me todos os dias.

Bom, mas hoje abriu-se uma excepção. A menina do café pousou o olhar nas minhas orelhas.
O que é que ela procurava? "Cera", restos de cotonete, um lóbulo para morder?

Dá muito nas vistas quando apreciamos as orelhas de alguém. Ou melhor, dá muito nas orelhas.
Vou pensar nisto o dia todo. Talvez passe lá daqui a pouco para pedir satisfações.
"Olhe ó menina porque é que estava a olhar para as minhas orelhas há bocado?"
...
Pensando melhor, é melhor não.

quarta-feira, janeiro 15, 2020

Castelhano - lição #34




Uma homenagem ao "cinema quinqui".
Visceral, violento, sexo, caballo, delinquência, desemprego, Fiat Ritmo, Fiat Mirafiori, roupas pré-Zara.
Sim, nem tudo era "Verão Azul" na Espanha dos anos 80.

terça-feira, janeiro 07, 2020

A voz dentro da cabeça

Em todas as histórias de heróis, há sempre um personagem que está a vigiar uma ponte, um portal, uma passagem, etc, envolto(a) numa bruma ameaçadora, misteriosa. O guardião pode ser humano (normalmente é mais velho, pode apresentar cicatrizes). Nas histórias fantásticas, poderá ser um "half breed" ou uma criatura de outra raça. Nas histórias mais verosímeis, poderá ser até a sua própria mãe, como foi o caso do nosso primeiro rei, o A.H..
E o sinal inevitável:
"Não Passarás".
Não passarás.
Não passarás, porque se o fizeres, vais morrer.
Muito raramente, nestas histórias, o herói volta para trás com medo. Porque, se o fizer, a história acaba ali. Medo. É isso de que estamos a falar não é? Do Medo com maiúscula que veste uma roupa demasiado grande para o seu verdadeiro tamanho. No entanto, é o Medo.
O herói é obrigado a combater o guardião da ponte ou decifrar um enigma, responder correctamente a uma adivinha.
O herói falha e volta a falhar. O guardião pergunta:
"Será este o teu caminho? Queres mesmo atravessar esta ponte? Vais morrer. Vais enlouquecer. Não estás preparado. Fica onde estás. Volta para trás, pobre imbecil."
E continua esta ladaínha ad nauseam, faz a mesma pergunta, vezes e vezes sem conta.
Naturalmente, o herói - porque estamos sempre a falar de um herói - ainda que possa falhar, não desiste. Como poderá desistir? É o herói de história.
Fica à espera que algo divino ocorra, faz a prece aos deuses, continua a tentar. O Tempo, embora não pareça nos primeiros tempos, é o seu maior aliado.
E, no fim, após diversas tentativas dolorosas, o herói reconhece que o guardião da ponte não é verdadeiramente o seu inimigo. E muito menos o Medo.