|
Ilustração de Rui Ricardo |
O MOÇO deixa-se cair pesadamente no único lugar livre e dá um longo
suspiro para que os outros dois sentissem um pouquinho a sua dor. Aquele
corredor era um desfile de voluntárias, auxiliares, administrativas,
enfermeiros e enfermeiras, médicos e médicas. Um dos homens que estava
sentado à espera de consulta de urgência acena-lhe com a cabeça como se o
conhecesse e continua a conversa.
Tinha dito à minha catraia que queria ir ver os primeiros raios do sol
do ano, sabe como são as mulheres, queria impressioná-la, ano novo, vida
nova, não queria meter a pata na poça como fiz com as outras…ela ficou
toda contente, vestiu-se à pressa, já estava com as cuequinhas novas do
ano novo, as gajas são muito supersticiosas, que sonho, meu Deus, você
não está bem a ver a minha catraia, um docinho. Vai daí, saímos pela garagem privada. Estes gajos
dos motéis pensam em tudo. Metemo-nos no jipe e fomos até à serra de
Santa Justa. Já lá foi? Tem umas vistas do Porto ao longe…É muito
bonito, muito verde, aqueles ares, aquela natureza…bom, meti-me pelo
corta-fogo, ala por ali acima, 145 cavalinhos a puxarem forte e feio,
conheço o monte como a palma da minha mão. Mas não é que quando chego a
meio, o caralh…o caraças do motor começa aos soluços e a deitar fumo por
tudo quanto é lado? Saí, tava um frio de rachar, abri o capô. Que
fumarada, meu Deus, e vou a ver, era a junta da colaça que tava toda
queimada. Falta de água. Como é que é possível. E eu, ah put… pulha que
pariu que não tenho sorte nenhuma. E a catraia dentro do carro a olhar
para mim, como que a pensar,
como é que fui-me meter com este tonhó.
Você está a ver a minha vida? Pior ainda, qual era o reboque que me
vinha buscar o jipe na madrugada do Ano Novo, ali no meio do monte?…
Texto na íntegra
aqui.