terça-feira, maio 03, 2016

Adenda ao Terceiro Segredo de Fátima

lustração: Rui Ricardo
I
 
A IRMÃ dormiu durante quase toda a viagem do convento ao aeroporto. Tinha encostado a cabeça ao vidro e adormeceu embalada pelo monocórdio do taxista. Quando respirava, deixava escapar pela boca um ruído que parecia brita a ser pisada por um adulto e por um rapazito. O taxista só parou de falar quando se apercebeu pelo retrovisor que a sua cliente ia a dormir, os óculos graduados da freira balouçavam-lhe castamente na pontinha do nariz. Mas a irmã não estava a dormir; resolveu fechar os olhos quando estavam a passar pela zona de Condeixa, o taxista não parava de falar sobre o único neto que por acaso se chamava Francisco. Era o orgulho incurável dos avós (pelo menos até atingir os dez, onze anos, depois a história seria outra), e a criança nem sequer era um vidente credenciado. O taxista mudava de tema como se estivesse a engatar velocidades, começou a falar sobre o sistema educativo, sobre a uber e depois fez uma ponte pertinente com as touradas, tópico que é quase sempre do agrado dos taxistas. Dedicou algum tempo ao assunto ou, se preferirem, cerca de uns quinze, dezasseis quilómetros. Uma Nossa Senhora de Fátima pequenina pairava no centro do tablier. Antes de “adormecer”, a irmã Lúcia pediu silenciosamente perdão à Virgem por aquilo que ia fazer.

Texto na íntegra aqui.