terça-feira, junho 01, 2010

Funambolismo

I
Prometeu roça novamente as costas num dos dois pilares de madeira. Coça a barriga da perna e olha lá para fora. Finge que vai para dentro mas volta ao balcão. Aproxima-se furtivamente do empregado e cheira-o. Bate no peito durante alguns segundos. Prometeu ainda é o macho alfa da drogaria.

II
- Queria 1300 metros de arame, por favor - disse Orestes.
Orestes não pode dizer o número 1299. Segundo o seu médico de família, o incrível registo fonético deste número pode causar uma rápida deterioração do tecto da boca e ruir. Se proferir o número a seguir ao 1300, as glândulas salivares iniciam a produção de um ácido muito corrosivo e Orestes morre.
- Para quando é que precisa do arame? - pergunta Prometeu.
- Para amanhã - responde Orestes.

III
Antes de sair, Orestes beija a mulher na testa e afaga-lhe o peito. Está a fazer isto por ela. É de madrugada. Amarra uma ponta de arame à torneira da cozinha. A tarefa poderia ser mais simples se o Trópico de Capricórnio não passasse a meio do caminho para o escritório.

IV
Prometeu enfia a chave na fechadura corroída. Depois de entrar na loja, põe o boneco insuflável de uma conhecida marca de ferramentas cá fora. Enquanto dá à manivela para abrir o toldo, olha para o fundo da rua e vê algumas pessoas a olharem para o céu. O trânsito não avança.

V
São 8:25h. Orestes sente-se cansado mas sabe que vai conseguir. As pessoas começam a bater palmas lá em baixo. Pela primeira vez nos últimos dois anos, Orestes vai chegar a horas ao emprego.