Bang! Bang!
Era ele. O amigo do meu amigo já me tinha alertado que ele fazia-se anunciar com dois tiros. A casa não tinha luz, não podia tocar à campainha e, em vez de nós, o homem tinha laços muito delicados nos dedos, logo não bateu à porta com medo de os estragar. Exigia sempre um tapete vermelho com pequenos raios bordados que o deveria levar sem demoras ao quadro eléctrico. Como o meu quadro fica no hall de entrada, tive de me remediar com um capacho chinês, espero que a criatura não se importe.
Abri a porta.
- Saia por favor - ordenou.
- Com certeza.
Sua Volticidade não gosta que os clientes estejam por perto quando está a trabalhar. Tem a fama e o proveito de ser o melhor técnico sindicalizado do distrito e nunca deixa os seus débitos em mãos alheias.
- Deve ser apenas um fusível fundido, se quiser... - disse-lhe já cá fora.
Grande slam na minha cara.
O amigo do meu amigo que também é membro da poderosa Guilda dos Electrocistas avisou-me do modus operandi do sujeito. Assim, ontem à noite, coloquei a minha poltrona no jardim da frente para me sentir mais confortável. Enquanto esperava, pus-me a adivinhar as músicas que os transeuntes trauteavam de cabeça. De seis, só acertei em duas, o que não é nada mau, mas também não é nada bom. Sig Sig Sputnik e Tom Jones. Achamos que é algo que só acontece aos outros, mas, quando menos se espera, acontece também à gente. Quando dei por mim, estava agarrado a um jingle idiota que tenho vergonha de reproduzir aqui. A minha vizinha da frente parece que adivinhou, pois começou também a trauteá-lo de cabeça. Acenou-me com um ancinho na mão e disse-me algo em rodapé sobre leite derramado.
- Já está, chefe. Venha cá ver isto - disse o electrocista atrás de mim.
O fio fogo do fogão tinha entrado em curto-circuito com o fio água, e o fio ar estava bastante calcinado como era de prever. O fio terra foi o único que se aproveitou.