Já passava das onze e meia da noite quando me bateram à porta. Mal entra o Outono, tenho o hábito de lavar bem os pés, com pedra-pomes e sabão azul. É o meu ritual de entrada para os dias cinzentos. "A estas horas?", pensei. Sequei-me contrariado e dirigi-me ao hall. Espreitei pelo olho mágico e abri a porta.
- Boa noite! Aqui estamos conforme o combinado - disse o noivo.
- Boa noite, o combinado era às 19h, não realizo cerimónias depois da hora do jantar - disse-lhe irritado - Toda a gente sabe que dá azar.
- Por favor, temos os nossos convidados à nossa espera - pediu a noiva, carregando nos s e abrindo as vogais.
- A senhora é checa, não é? E aposto que é de Ústí nad Labem, não?
- Sim! Como é q...
- Entrem lá que está a fazer corrente de ar.
Os noivos sorriram e entraram para a sala.
- Aguardem só um momento, volto já - informei-os.
Fui buscar um jarro de água de quente e uma toalha à casa-de-banho, e voltei para junto dos clientes.
- A menina das alianças? - perguntei.
- Já está a dormir...a minha irmã não deixou - respondeu o noivo.
- Hmmm...o senhor é francês? Da Normandia, certo?
- Não, sou de uma aldeia de Ribeira de Pena, mas já vivo há quatro anos na cidade - e sorriu, exibindo uns magníficos dentes.
- E nunca esteve em França? - tornei a perguntar, não me dando por vencido.
- Nunca!
Verti a água a fumegar na bacia, sentei-me na poltrona e comecei a tactear a água com o pé esquerdo que é o mais calejado.
- Ora muito bem, vamos a isto.