Mas o Conselheiro Morno tinha um rival temível, um rival à sua altura, talvez fosse até um pouco mais alto. Sua Proeminência, o Cardeal Burgundy, era um homem sinistro, esguio, tinha a fronte encarquilhada pelos anos de devoção delirante e de austera reclusão monástica. Os guardas e os criados viam-no à noite a assombrar pelos longos corredores do palácio, sempre rebuçado numa túnica sanguínea. No entanto, quase todos diziam que era muito virtuoso e muito entendido nas coisas divinas e, talvez por isso, todos os seus bastardos tivessem saído muito virtuosos também. Fidelíssimo ao rei, este consultava-o sempre nas matérias de Estado. Como decerto ja adivinharam, a trama do Cardeal para descredibilizar o Conselheiro estava estendida há muito, mas o Rei amava muito a sua única filhinha e não se oponha às caminhadas dos dois se isso a fazia feliz. O monarca, lá no fundo, alimentava uma admiração secreta pela inteligência iluminada do seu conselheiro e até lhe imitava a postura elevada, os seus gestos pausados e graciosos. Isto arrebatava as fúrias do cardeal em violentos monólogos quando este recolhia aos aposentos.
Numa dessas tardes idílicas, o Grande Bastonário da Confraria das Bagatelas, ser insidioso e possuidor de uma língua mais viperina do que a das cortesãs, passeava sozinho pelas veredas da ala norte do labirinto, fumando o seu rapé quando, de repente, deteve a sua marcha. Pareceu-lhe ouvir, do outro lado do ornato verde, alguém a arfar, e depois ais e suspiros cavos, roucos, de profunda agonia.
O fim do meu intricado romance histórico está iminente. Tenho de vos deixar por agora para dar prioridade a esta obra. Não deixem de aquecer os vossos bancos ou cadeiras da melhor forma que entenderem e, sobretudo, não ponham a carroça à frente dos bois, nem enfeitem os bois à frente das vacas. Num piscar de olhos, saberão o desenlace trágico desta história baseada em factos reais e clericais. É de fazer chorar as pedras da calçada.