quarta-feira, dezembro 05, 2007
A Caçada
O velho caçador sacudiu a gloriosa gaita com alguma violência, subiu para o camião e lá seguiram caminho. Estava visivelmente irritado. Conseguiu lobrigar algumas manadas de seres bravios e pensantes que ruminavam ao longo das encostas vermelhas viradas a sul.
"Sem mel nem rima, sempre quero ver como hei-de caçá-los!", pensou. Cuspiu algo reluzente pela janela fora e voltou-se de súbito para o anão:
- Vou precisar de ti. Trouxeste aquilo que te pedi?
- Sim. Mas tenho medo.
- Cala-te. Não podes mostrar medo aquele imbecil.
- Está bem - anuiu o anão.
Percorreram cerca de cinco tortuosas milhas que maltrataram bastante os rins do velho caçador, quando, finalmente, avistaram a placa de aproximação da fronteira.
O posto das portas do deserto era guardado por um jovem praça que gostava de rasgar lençóis velhos e tirar fotografias com uma máquina "à la minute" a todos os cidadãos e bestas pensantes que eram pesados pela primeira vez na báscula imperial.
- Então, e a caçada? Apanhaste algo decente desta vez? - indagou o guarda que disparava pequenos jactos de saliva sempre que proferia sibilantes.
- Nada. Estão cada vez mais espertos. Já não caiem nos engodos do costume - replicou o velho.
- Ça, c'est très mauvais, très mauvais. Et maintenant? E agora, como ficamos? - O guarda falava invariavelmente a língua de Napoleão quando tentava adoptar uma postura autoritária.
- Vou deixar aqui o meu anão mongol de barbicha branca como caução, para além do saco habitual que está cheio de belos diários comoventes. Apanhei bastantes desta vez. Vou pegar num à sorte e....
- Non, non, pas du tout! Não quero cette merde que os seres pensantes largam pelos montes!...Huum. O anão sabe ao menos cantar?
- Como um rouxinol chinês.
- Toi là! Tu aí, já cantaste alguma vez? - dirigindo-se ao anão.
- Senhor, já não canto desde a última vez que mudei uma lâmpada! - exclamou o anão que estava de pé sobre o assento - Gosto muito de mudar lâmpadas. Fico muito excitado e dá-me para cantar.
- Bon. Vamos para dentro. Este sol abrasador dá-me cabo dos miolos. Mais, dépêche-vous, allons-y!