sábado, dezembro 29, 2007
Revolução
Van Bolten
A Revolução é feita com armas. E também com algozes, crianças famintas e colheres barrocas. Anulem-se, apaguem de vez as vossas contra-indicações, respirem fundo. (...) Não, outra vez, as vértebras têm de estalar, de estalar! Abram bem essas bocarras. O meu tio disse-me uma vez enquanto nos dirigíamos para os Montes dos Castrados: "Podes chamar-me de tio, mas tens de saber manejar uma arma e um pouco de toponímia. Saber rapar as terrinas dos anfitriões também é um dom."
Morreu pouco tempo depois. O que quererá isto dizer.
quinta-feira, dezembro 27, 2007
segunda-feira, dezembro 24, 2007
quando perdes
a página do teu Manual
dos Corações Incandescentes
é deus que te faz
um favor
os que trazem o
coração suspenso
por andas
não merecem
ser confortados.
quando perguntas
"a que distância fica o horizonte?"
cai um ominoso pingo
do teu nariz
e estremeces,
é deus que te bate
ao de leve:
curva-te antes
perante o oceano,
não deves saber
coisas sem importância.
quando a tua mão gela
antes de te tocares,
é deus que afaga a
sua mão na tua.
quando te ris
do nome Eustórgio
gravado na campa ao lado,
é deus que te repreende.
traiste-te:
ainda não dominas
a dor das beatas
encurvadas
deixa-o
usar as tuas costas
para afiar
a divina espada.
segunda-feira, dezembro 17, 2007
Coffee (as champagne)+Mahler+La Joie de Vivre
-Say it isn't true...
-...
-Well?
-What?
-I asked you to say isn't true...
-Say what isn't true?!
-(yawn) Never-never-nevermind.
sexta-feira, dezembro 14, 2007
segunda-feira, dezembro 10, 2007
Os velhos dizem que sempre
que alguém acende um cigarro com uma vela
um marinheiro morre.
Suponho que, entre marinheiros,
existe a crença de que quando se barbeiam
numa direcção estranha, um académico morre.
Então, eles tentam não se barbear.
O importante aqui é pensarmos
Uns nos outros.
Kristin Dimitrova
Trad.: a minha
sexta-feira, dezembro 07, 2007
quarta-feira, dezembro 05, 2007
A Caçada
O velho caçador sacudiu a gloriosa gaita com alguma violência, subiu para o camião e lá seguiram caminho. Estava visivelmente irritado. Conseguiu lobrigar algumas manadas de seres bravios e pensantes que ruminavam ao longo das encostas vermelhas viradas a sul.
"Sem mel nem rima, sempre quero ver como hei-de caçá-los!", pensou. Cuspiu algo reluzente pela janela fora e voltou-se de súbito para o anão:
- Vou precisar de ti. Trouxeste aquilo que te pedi?
- Sim. Mas tenho medo.
- Cala-te. Não podes mostrar medo aquele imbecil.
- Está bem - anuiu o anão.
Percorreram cerca de cinco tortuosas milhas que maltrataram bastante os rins do velho caçador, quando, finalmente, avistaram a placa de aproximação da fronteira.
O posto das portas do deserto era guardado por um jovem praça que gostava de rasgar lençóis velhos e tirar fotografias com uma máquina "à la minute" a todos os cidadãos e bestas pensantes que eram pesados pela primeira vez na báscula imperial.
- Então, e a caçada? Apanhaste algo decente desta vez? - indagou o guarda que disparava pequenos jactos de saliva sempre que proferia sibilantes.
- Nada. Estão cada vez mais espertos. Já não caiem nos engodos do costume - replicou o velho.
- Ça, c'est très mauvais, très mauvais. Et maintenant? E agora, como ficamos? - O guarda falava invariavelmente a língua de Napoleão quando tentava adoptar uma postura autoritária.
- Vou deixar aqui o meu anão mongol de barbicha branca como caução, para além do saco habitual que está cheio de belos diários comoventes. Apanhei bastantes desta vez. Vou pegar num à sorte e....
- Non, non, pas du tout! Não quero cette merde que os seres pensantes largam pelos montes!...Huum. O anão sabe ao menos cantar?
- Como um rouxinol chinês.
- Toi là! Tu aí, já cantaste alguma vez? - dirigindo-se ao anão.
- Senhor, já não canto desde a última vez que mudei uma lâmpada! - exclamou o anão que estava de pé sobre o assento - Gosto muito de mudar lâmpadas. Fico muito excitado e dá-me para cantar.
- Bon. Vamos para dentro. Este sol abrasador dá-me cabo dos miolos. Mais, dépêche-vous, allons-y!
domingo, dezembro 02, 2007
Psycho Killer
Casaste-te com ele, e agora. Sai para a rua, entra na padaria do bairro e toca no ombro do primeiro homem que está à tua frente, na fila para o pão: parece-me um bom partido, a ti não?
Ghisi
A seu lado, dormiam os javardos. Agarrou um, com um certo nojo reticente e, de braços estendidos, manteve-o assim erguido. Era cor-de-rosa, com uma boquita húmida de polvo e olhos de carne engelhada. Desviando a cabeça, destapou um dos seios e estendeu-o ao javardo. Teve que lhe enfiar o bico do seio na boca, e só então ele crispou os punhos e as bochechas ficaram chupadas. Engolia a golada fazendo um horrível barulho com a garganta. Aquilo não era lá muito agradável. Aliviava um bocado, mas também mutilava um pouco. Tendo esvaziado dois terços do seio, o javardo lá se deu por satisfeito e, largando as duas mãos, pôs-se a ressonar como um porco. Clementina pousou-o a seu lado e ele, sem parar de ressonar, fez umas manobras esquisitas com a boca, ainda a chupar mesmo a dormir. Tinha uma penugem nojenta na cabeça, a moleirinha batia de maneira inquietante, dava vontade de carregar no meio para aquilo parar.
O Arranca Corações, Boris Vian
Livro B, Editorial Estampa
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