Era frequente procurarem Monsenhor apenas para verem de perto a figura que andava na boca do povo naqueles dias. Monsenhor nunca se furtava de receber essas pesssoas em sua casa, embora não se sentisse particularmente envaidecido por tal curiosidade. Naturalmente, o velho caseiro de Monsenhor não tinha mãos a medir com tantas oblatas e lembranças que se acumulavam nos corredores. Mas Monsenhor não era um clérigo comum. Alimentava a fugaz esperança de poder vir a conhecer alguém extraordinário, alguma ovelha irreverente que se destacasse daquele monótono rebanho. Quando não estava a celebrar eucaristias, Monsenhor fazia questão de empregar a sua língua mãe, o romanche, o que lhe conferia um ar ainda mais distinto e reverencial. A esmagadora maioria dos fiéis limitava-se a acenar com a cabeça a tudo aquilo que Monsenhor proferia. Porém, Monsenhor era selectivo quando se dedicava ao sagrado sacramento da Confissão. Monsenhor gostava de cheirar rapé enquanto ouvia a ladainha dos seus penitentes e de cantarolar baixinho a Tosca que brotava do velho gramofone que guardava no confessionário. Os seus amados pais ofereceram a relíquia antes de Monsenhor partir para a sua primeira missão no Congo. Em boa verdade, Monsenhor segregava devotos para a Confissão: às Terças, ouvia apenas jovens poetas cujo primeiro nome fosse Tristan ou Hans, para além de todos os outros bastardos que comprovassem a sua condição; às Quintas, sentenciava as jovens mamãs da região, cães e outros quadrúpedes que faziam fila em torno da velha igreja. Decerto compreenderão que era extremamente penoso para Monsenhor libertar-se de velhos hábitos dadaístas que carregava consigo desde os tempos atribulados da sua mocidade. Era esta a sua verdadeira vocação.