Passei ontem para os cuidados intermédios espirituais.
O quarto onde estou internado está pintado em tons de violenta, a cor do Conde de St. Germain, um dos mestres ascensos. Há um retrato dele pendurado no meio do quarto que partilho com mais três pacientes. As enfermeiras aqui são muito simpáticas, sempre atenciosas, possuem uma elasticidade incrível.
O meu médico é a cara chapada do Conde de Lautréamont. Que ironia. St. Germain vs Lautréamont. Será que é propositado? Não deve ser, nada é por acaso.
O médico gosta de jogar ao jogo do sério comigo antes de fazer a leitura das máquinas azuis. Está a tentar ler os meus pensamentos. Desvio sempre o olhar. Que olhos tão escuros e terríveis, consigo ver o umbral no fundo daqueles olhos.
"É só isso que tem para me dar hoje?", pergunta-me com um ar desconsolado.
Está a puxar por mim. A provocar-me, a ver se eu reajo, se evoluo.
"Quando é me dão alta, doutor?", pergunto.
"Ainda ontem aterrou aqui vindo da UCIE. Tenha calma. Olhe, quando conseguir pensar pensamentos verdadeiramente indecentes e obscenos e saber lidar com eles", responde-me com algum enfado.
"Não sei se consigo, seu doutor. Começo a ter taquicardias e a suar como um cavalo. Sinto tonturas e vontade de vomitar."
"É precisamente esses sintomas que nós queremos. Mas mais, muito mais!"
Que abordagem clínica tão estranha, tão pouco holística. Acho que ainda vou ficar aqui por uns tempitos.