Enquanto esperava que as Finanças abrissem para pagar o IMI das minhas quatro casas, pus-me à escuta da conversa entre quatro seniores, consegui manter-me escondido atrás de um excelente camalhaço para o efeito, "Críticas e notícias - Dados Biográficos - 1927-1995". Um dos idosos vestia um fato casual, muito elegante, tinha voz de tenor, as vidraças da repartição vibravam quando punha pontos de exclamação em quase todas as frases, ainda tinha a pronúncia carregada e musical da Serra de Bornes.
- Em 1900, andei nove meses a fazer gamelas de massa, tinha de ganhar dinheiro para mim e para os meus pais, pois então, só depois é que fui para trás de volante, fui chofer durante mais de trinta anos, trabalhei muito de noite, às vezes quinze dias seguidos, mas primeiro acartei pedra para fazer quase todos os bairros de Porto, só depois é que comecei a ir lá para fora, ia e vinha da Inglaterra, França, Luxemburgo, Países Baixos, País dos Sudetas, etc, etc. Em Agosto de 1939, já estava a caminho de Portugal, vinha eu do sul da Alemanha, metade da camionete estava cheia de judeus, já estávamos no sul da França, caralho, senhores, que sorte que eles tiveram! E eu também, pois então!".
Foi a primeira vez que estive a meia dúzia de passos de um imortal, de um Struldbrug, e ainda por cima português.