segunda-feira, janeiro 27, 2014

Stiv Stiv Stiv

I'm so sick of T.V.
You know, I'm getting bored of the tube
I'm so sick of romance
And I'm gettin' real sick of you



Stiv Bators tinha definitivamente o factor X.

sábado, janeiro 25, 2014

DEZ

Empurra, mais rápido, mais rápido!
A noiva não queria que a festa acabasse, queria continuar a divertir-se, roubou então a cadeira de rodas dobrável da Transit, sentou-se nela e agora estava no meio da rua a ser empurrada por uma das amigas que era talvez a mais feia e a menos bêbada, andavam as duas a correr, isto é, a noiva sentada na cadeira de rodas que pertencia à Dona Conceição e a feia a empurrá-la em frente ao Estado Novo às cinco horas da manha. As outras quatro berravam do passeio, batiam palmas, saltavam em cima dos tacões, uma delas caíu redonda no chão molhado e desatou a rir-se. Estavam podres de bêbadas, tinha sido a despedida de solteira de amiga e ainda queriam ir não sei para onde. A prima do auxiliar tinha-lhe pedido boleia há dois dias, sabia que iam se enfrascar nessa noite, sabia também que o primo era mau condutor, mas preferia um mau condutor sóbrio que andasse continuamente em segunda a um bom condutor bêbado que se esbarrasse na primeira curva.O auxiliar teve de pedir a Transit à doutora Maria dos Anjos ao que ela acedeu desde que ele enchesse de novo o depósito. 
Entendeu bem? Atestar o depósito, não se esqueça, repetiu e depois bateu palmas duas vezes para ele sair do gabinete. A relação que a doutora Maria dos Anjos tinha com o auxiliar, seu funcionário, fazia lembrar o tipo de relação que um columbófilo tem com os seus pombos-correio, o auxiliar estava amestrado com palmas, afinal ele foi trabalhar para o lar de idosos muito novo, devia obediência à chefe, ela apiedou-se dele quando ninguém o fizera, e a criatura, para retribuir, era o leva-e-traz de tudo o que se passava no lar, só faltava fazer vénias à senhora directora. Natércia, a outra auxiliar, mulher afogueada mas muito íntegra - apesar do beiço descaído - desprezava-o ainda mais por isso.

De volta às perigosas e imprevisíveis ruas de Matosos. Um dos porteiros, um armário que impunha respeito, pediu educamente às moças para se afastarem da entrada e uma delas, que era talvez a mais atraente, tinha cara de menina travessa, madeixas vermelhas bem feitas, olhinhos verdes pequeninos, sôfregos por uma ou duas bem dadas, começou a rebolar-se em cima de um daqueles pilares de acesso à entrada, puxou a saia para cima exibindo a coxa de pequena bailarina e começou a ronronar para ele. O porteiro olhou para ela com desejo, mas conteve-se. As outras estavam encostadas à parede e tinham a mão na barriga de tanto rir, riam-se até às lágrimas, não sabiam para onde haviam de olhar, se para a amiga que parecia ter uma tocha a arder no meio das pernas, se para a noiva na cadeira de rodas que era empurrada pela amiga de um lado para outro. Naquele momento, estavam a sair dois magalas e um deles pergunta à amiga provocadora:
É hoje, filha?
Ela tirou a máscara de repente, baixou a saia, não gostou do convite, o porteiro era um homem a sério, além de ser uma espécie de Apolo de Rio Tinto (cabelo rapado, careca luzidia, sem os longos cabelos do deus), era um velho conhecido de outros carnavais, enquanto que aquele pirralho ainda cheirava a leite, não ia admitir aquela falta de respeito e então puxou a carteira atrás mas falhou o alvo, estava bêbada demais para ser certeira, o rapaz desviou-se facilmente do golpe como um gato. O magala ficou muito sério a olhar para ela, não gostou nada daquilo, mas viu pelo canto do olho o porteiro a tirar-lhe as medidas e lá foi à vida dele com o amigo, deixando um rasto de insultos atrás de si dirigidos à amiga da prima e à sua respectiva mãe. O auxiliar continuava dentro da furgoneta com as mãos no volante, já tinha ligado a ignição, estava a acelerar em ponto-morto para a velha Transit não ir abaixo, uma fumarada de todo o tamanho pairava sob a rua molhada.
A noiva e a "aia" estavam agora mais ao fundo da rua, estavam paradas no semáforo vermelho para os carros, que meninas mais marotas, quem havia de dizer, o que o álcool faz a meninas bem comportadas, a blusa da noiva descaía e via-se quase um seio inteiro, se o noivo aparecesse ali naquele momento, não sei se haveria casório, a noiva era tão dócil, tão amorosa, tão atinada... A aia, isto é, a feia, ajeitou os óculos de massa cor-de-rosa e disse à noiva que era melhor voltar para trás. Um BMW branco em sentido contrário (também estava à espera que o sinal mudasse) começou a dar-lhes máximos.
O que é que aquele gajo quer? Anda lá, empurra, empurra, Sónia!
Mas está vermelho, é melhor...
Empurra-me caralho! Vou casar-me para a semana, anda lá!, a sua voz conseguia ser pastosa e determinada ao mesmo tempo e Sónia fazia todas as vontades às amigas, era uma paz de alma como se costuma dizer. A feia olhou para trás, a prima do auxiliar estava a fazer-lhe sinais para voltarem. Sónia, porém, cumpriu o desejo da noiva, empurrou a cadeira de rodas com a nubente, o sinal ainda vermelho, e a meio do cruzamento, aparece pela direita um Ibiza preto a alta velocidade, o condutor ainda tenta travar, mas o piso estava escorregadio, e Sónia, num acto de incomensurável bravura, num gesto de pura amizade e altruísmo, empurra a cadeira de rodas para a frente para salvar a sua amiga que se ia casar para a semana e esta dá uma gargalhada e exclama "sim, sim, assim sim", estava tão bêbada que nem deu conta da aproximação lateral do carro que embate contra a sua aia, não vê a sua amiga Sónia que lhe faz todas as vontades a ser projectada pelos ares, não vê os óculos de massa cor de rosa em câmara lenta a voarem, as lentes fundo de garrafa a aumentarem a lua cheia, uma lua pesada e luminosa, enfim, a noiva bêbada não ouve os gritos das amigas lá atrás. O auxiliar, esse, não saíu da Transit, nem sequer olhou pelo retrovisor (estava virado para o mar), lá deve ter adormecido embalado pelo motor ligado. Ou então achou que era mais uma das pantominices histéricas das moças e não fez caso, ou pior, o auxiliar era mesmo uma ameba, um seguidor de Pilatos e fez de conta que não era nada com ele. Quando conto este episódio triste e lamentável, lembro-me sempre - e só Deus sabe como me penitencio por isso - do título daquele livro de Vernon Sullivan, "Morte aos Feios".

quinta-feira, janeiro 23, 2014

segunda-feira, janeiro 20, 2014