segunda-feira, dezembro 30, 2013

quinta-feira, dezembro 26, 2013

"O Mestre e Margarida", Mikhaíl Bulgakov

segunda-feira, dezembro 23, 2013

sábado, dezembro 21, 2013

Natal

UM


Está bem filha, volta quando puderes, não te chateies comigo.

Ela levantou-se, curvou-se e beijou a mãe na testa fria. A velhota quis corresponder, ergueu a mão e agarrou a filha pelo braço. Vai lá à tua vida, não te atrases, disse-lhe. Os olhos infantis da velhota acompanhavam a filha que atravessava a sala de visitas e que parou para olhar para a pequena árvore de natal enfiada num canto da sala que abrigava a cena de natividade e meia dúzia de caixas embrulhadas sem nada lá dentro, estavam ali para encher, para fazer feitio. O menino Jesus parecia um rim, a sua cabecita era tão pequenina, tão miúdinha que o rosto não tinha feições. A José faltava um braço, mas Maria continua imaculada.
Saia lá da frente, ordenou um dos velhotes que tinha a barba por fazer de há dois dias e pêlos brancos a sairem-lhe do nariz e das orelhas. Ela ficou meio minuto ali parada, parecia hipnotizada pelas luzinhas multicolores a piscarem à vez.
O auxiliar estava de braços cruzados a apreciar a partida de dominó que estava longe de ser pacífica, o sr. Clemente e o sr. Neves batiam as peças com violência como que a quererem parti-las, eles  deviam ter um acordo tácito, talvez quem partisse primeiro uma das peças ganharia o jogo. O auxiliar, dizia eu, ergueu o queixo e enlaçou Madalena com o olhar que ficou plantada no meio da sala. Os olhos começaram a ficar húmidos e sentiu uma enorme vontade de voltar para trás e levar a sua mãe consigo.
Mas é surda ou quê? Saia da frente da televisão, ó criatura, repetiu o senhor Marques enquanto coçava o quadril ossudo. A apresentadora do natal nos hospitais parece que também estava na expectativa, mas mantinha sempre a postura profissional e começa a empatar com piadas sem piada nenhuma, são os chamados imprevistos de um programa em directo, os lábios reluzentes enchiam o ecrã todo, não havia maneira do próximo artista entrar em palco. Madalena desperta do turpor, apetece-lhe olhar para trás, para a mãe, será que era o último natal dela, mas não pode, provavelmente tem medo de se transformar numa estátua de sal se o fizer, veste o casaco de pele que trazia pelo braço, compõe as golas de pêlo, puxa-o bem para baixo, dá um jeito no cabelo pela nuca e sai da sala a bater com força os tacões no linóleo. Assim que ela sai, o auxiliar segue-a e a jovem fadista na televisão começa finalmente a cantar a sua mágoa, todos os jovens fadistas de agora têm uma mágoa muito profunda como se já tivessem passado por muita coisa, se calhar até passaram. Uma das velhotas estica o pescoço como uma tartaruga para se certificar que o auxiliar saíu e tira meia dúzia pinhões do bolso da casaco de malha, mete-os à boca e sorri enquanto mastiga, o maxilar parecia que ia sair do sítio, as pregas do rosto ao mastigar eram como uma pastilha elástica em alcatrão quente que tentamos tirar da sola do sapato. O sr. Marques, que ocupava a melhor poltrona da sala, revestida a gorgorão, levanta-se e volta-se para a janela, para o sr. Clemente e o sr. Neves que estavam ainda a tentar pregar as peças de dominó à mesa, eram autênticas metralhadoras, e então o senhor Marques assobia em dois tempos, faz um punho cheio de marcas de velhice e insinua aquele gesto basculante que a maior parte das pessoas associa ao coito.

O auxiliar tinha de acabar aquilo que o marido tinha começado ontem. Madalena já estava estendida à sua espera sobre a secretária, as cuequinhas e a saia jaziam no chão. Anda lá, tenho de ir buscar a minha filha ao aeroporto, vou apanhar trânsito, já estou atrasada. O auxiliar roda a chave da salinha muito devagar, tira a bata e desaperta o cinto. Trilha a língua com os dentes para invocar a lascívia e agarra-lhe com violência pelo cabelo pintado. Passados poucos segundos, ele já estava a revirar os olhos, ela já se esquecera por completo da mãe e das luzinhas de natal e com uma mão apertava o traseiro dele contra ela e com a outra contorcia os dedos e fechava-os, agarrando a beira da secretária e teve de morder a manga do casaco para abafar os gemidos. As canetas metidas na caneca com um dragão azul que estava à sua frente bailavam todas contentes, e a América do Sul e África do mapa-mundo debaixo dela estavam a ser esmagadas pelas suas rotundas mamas brancas, ao passo que há um minuto não passava apenas de uma ameaça a pairar sobre aqueles dois continentes. Posso vir-me dentro, perguntou. Não, não, fora, respondeu ela. Então ele esguichou com vontade para cima de uma das nádegas, acertando um pouco da Antártida, coitadinhos dos pinguins-imperadores, que grande nevão, e gemeram os dois, e ela teve um riso miudinho que quase passava a choro, mas conseguiu controlar-se a tempo. Quando acabaram, ela recompôs-se com indiferença, como se nada tivesse acontecido, pousou uma nota de cinquenta sobre a América do Norte. Não quero que lhe falta nada ouviste-me bem? Os olhos dele franziram-se. Só venho agora à visita no dia 27, não... espera, 28, quarta-feira, avisou. Ela abriu devagar a porta e espreitou, ninguém no corredor e saiu de fininho. Ele ficou a olhar para a nota enquanto acariciava distraído a sua melhor qualidade. Simulou então cortar o seu membro murcho às rodelas como se a mão direita fosse um cutelo e quase que exibiu o seu sorriso que com o tempo se tornou indecente, boçal. Depois lembrou-se de olhar para o calendário da Nossa Senhora de Fátima a rezar que estava pendurado na porta e ficou muito sério.
Dia 28 é quinta-feira, aquela gaja não sabe a quantas anda, pensou.
Levantou a bata do chão, limpou-se a ela e regressou à sala do lar onde os gritos histéricos da apresentadora competiam novamente com as rajadas causadas por peças de dominó a baterem na madeira.

domingo, dezembro 08, 2013

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Ciclo de vida de uma história

"Wonderbook: The Illustrated Guide to Creating Imaginative Fiction", Jeff  VanderMeer