sexta-feira, janeiro 29, 2016


quinta-feira, janeiro 21, 2016

segunda-feira, janeiro 18, 2016


quarta-feira, janeiro 06, 2016

A Cheia




Durante a Cheia, os Mareantes do Rio Douro saíam em romaria dia sim, dia não, faziam-se à água debaixo daquela chuva impiedosa. Cada mareante ocupava o seu bote, quanto maior fosse o seu instrumento de percursão, maior era o bote. Batiam furiosamente nos bombos e nas tarolas, era por isso que não parava de chover. O batel maior era ocupado pela gigantesca cabeça do São Gonçalo, rapazes e homens que navegavam atrás urravam "E ele é nosso! E ele é nosso!". Dezenas de botes atravessavam o rio várias vezes por dia e exibiam-se muito vaidosos para as gentes nas margens.

Na última semana, o nível das águas subiu até meio da Calçada das Freiras (não foi bem mas quase). As pobres das freiras do Convento de Corpus Christi tiveram de trepar para os telhados do convento e aí ficaram durante esses dias. Víamo-las a passarem ruge e pó-de-arroz no rosto, uma delas aparava a barba ali mesmo, faziam chichi pelas caleiras e obravam atrás do campanário da capelinha. Coitadas…se não fossem os pombos do Brandão (que lá concordou em cedê-los, muito contrafeito) a fazer-lhes chegar comida, não sei como é que elas sobreviviam nessas duas semanas.

Os empregados dos armazéns do vinho do Porto também ficaram encurralados. O rio subiu tão rápido durante o dia que não puderam regressar a casa, para junto das suas famílias. Ao verem o sofrimento dos habitantes do Monte, tiveram pena de nós; abriram então as portas pesadas dos armazéns do Vinho do Porto e deixaram-nos entrar - estávamos para lá de desesperados - para nos abastecermos de vinho. Havia um grande senão. No meio do nosso desespero, esquecemo-nos que aquele vinho era vinho do Porto, adocicado com a famosa banha; nos primeiros dias, as pessoas estavam tão sedentas que fecharam os olhos e taparam o nariz. Lá fizeram o sacrifício, bebiam um ou dois copitos e ficavam logo bêbadas, mas depois, o que é demais é moléstia, as pessoas exigiam vinho a sério, não aquela intrujice inventada por ingleses feita por portugueses para ingleses e emigras, e então ameaçaram os empregados, já se tinham esquecido que eles estavam a fazer-lhes um favor. Exigiam que eles mostrassem onde estavam os tonéis e os barris com vinho de mesa, para pessoas normais, para pessoas de trabalho, mas os empregados encolhiam os ombros, juravam a pés juntos que não havia nada disso ali. O senhor Alberto arranjou uma solução. O senhor Alberto mora junto à Loja de Cima, é um homem muito afável e muito diplomata, com muito tacto. Usa um robe de lã tweed e um chapéu à detective, passeia o mesmo cigarro na mão direita desde que o conheço, mas juro que nunca o vi a tirar uma passa àquele cigarro:

- Já que temos água de sobra, porque não baptizamos esta zurrapa? Pode ser que assim se possa beber este vinho impróprio para diabéticos.