domingo, dezembro 28, 2014

domingo, dezembro 21, 2014

Acta

Vivo naquilo que os franceses chamam de chambre de bonne. Partilho uma casa de banho com uma senhora que diz ser minha esposa e, volta e meia, um odradek peludo surge debaixo da cama e reclama a minha atenção. Ficamos a olhar um para o outro durante uns bons vinte minutos até ele se cansar e desaparecer. Durmo, trabalho, faço as minhas refeições nesta divisão, não sei o que se passa nos confins do meu apartamento nem no resto do mundo. Faço sequências de abdominais e Chi-kung com os olhos presos no monitor, uma americana loura diz-me como fazer os exercícios. Quando me sinto mais só ou quando quero ter a certeza de que não sou o único sobrevivente de um holocausto silencioso que me passou ao lado, levanto-me, inspiro fundo e bato várias vezes com a palma da mão na parede; o casal vizinho começa então a discutir, trocam insultos, acusam-se mutuamente, a tua mãe, isto, o teu irmão, aquilo, só queres estar com os teus amigos, quem é esta gaja que adicionaste no face, etc, etc, e, no fim, mas nem sempre, violam-se um ao outro: estão assim a cumprir escrupulosamente o Ponto 4 da acta da última reunião de condóminos.

sexta-feira, dezembro 12, 2014

O porco

O meu vizinho que mora no R/C do prédio da frente tem um porco-preto num pátio que é relativamente grande. O porco é um agente de destruição: roupa a secar, vasos, sacos de ração, bolas de futebol, mangueira, nada lhe escapa, ele fuça tudo, conspurca, espalha tudo o que pode pelo pátio. Este porquinho é um animal solitário, os donos só chegam à noite e, para além do porco, têm um cãozito, um arraçado de maltês, que está sempre metido dentro em casa e que o porco ignora imperialmente quando o outro resolve vir para o pátio ladrar-lhe. Às vezes, parece que tenho uma siderurgia ao lado de casa, é o porco a passear um velho grelhador pelo pátio, vira-o, arrasta-o, cheira-o, faz trinta por uma linha com o grelhador. Hoje, o porco acordou tarde, tem estado um frio de rachar. Quando voltei a olhar pela janela, apanhei-o a tentar acasalar com o velho grelhador. O grelhador está meio enferrujado mas acho que por agora enche as medidas ao porco. Estiveram mais de meia hora naquilo e, quando acabaram, o grelhador ficou de pernas ao alto, exausto, e o porco espraiou-se num pufe coçado em forma de uns lábios carnudos gigantes.
Não sei o que os donos tencionam fazer com o porco, não faço ideia se o animal terá um fim comestível, mas não deixa de ser irónico ver o animal a tentar f*der aquilo que é, ao fim e ao cabo, um instrumento post-mortem para os da sua espécie.
Amanhã darei mais updates sobre o porco.

quinta-feira, dezembro 11, 2014

Na mercearia

- Tem grão-de-bico em frasco?
- Sim, tá ali na prateleira do fundo.
- E santieiros?
- Vieram ontem. Estão ao lado em baixo. E também temos WiFi agora.
- Ai sim?
- Sim.
- Qual é a pass?
- ʇMr.Picklesʇ

quarta-feira, dezembro 10, 2014