sexta-feira, agosto 27, 2010

terça-feira, agosto 24, 2010

Uma História de Amor

Bongosto, Tenco, Paoli e Mina viveram sob mesmo tecto cheio de térmitas durante três meses. Eram os únicos hóspedes da segunda pensão mais antiga da cidade que pertencia a Dona Bonagura. Dona Bonagura era uma enxuta viúva perto dos cinquenta que, tal como muitas viúvas, adormecia no sofá em frente à TV. Quando chegava dos seus afazeres diários, Bongosto gostava de passar pela sala de estar e era seu hábito admirar o rosto sereno daquela mulher, como um seminarista que contempla a sua primeira óstia enquanto recalca o prazer solitário da noite anterior.

Dona Bonagura tinha queixo duplo à Kirk Douglas, e Bongusto sentia-se atraído por queixos duplos desde que viu Spartakus pela primeira vez. Wunderburg era também grande admirador de queixos duplos. Wunderburg estava em negócios na cidade, e o queixo duplo de Dona Bonagura acertou-lhe em cheio quando passeava pelo mercado à hora do almoço. Perguntou quem era aquela formidável mulher e tentou inúmeras vezes reservar um quarto na pensão, mas Bonagura não gostava de tedeschis (embora Wunderburg fosse suíço*), porque os achava muito porcos e dizia-lhe sempre que estava tudo cheio sem sequer olhar para ele.

Na última semana da sua estadia, Bongusto apressava-se para chegar à pensão mais cedo. Como seria de esperar, Dona Bonagura estava a dormir com a boca aberta em frente à soporífica televisão. Talvez por serem os seus últimos dias naquela casa, Bongusto encheu-se de coragem e deu três passos ao de leve, sentando-se numa das duas poltronas desbotadas. Pegou no telecomando e reduziu o volume, dando início à sua secreta adoração daquele queixo, belo e inviolável como uma flor de cerejeira. Mina, a estudante universária, estava no andar de cima, a arrumar e a cantarolar uma velha canção napolitana que a sua avó lhe ensinara. Ultimamente era tudo o que lhe passava pela cabeça desde que acabara com o namorado** que se apaixonara por uma mulher mais velha***.

Bongusto, esse, imaculava a figura adormecida de velha matrona e há muito que desejava tocar no queixo duplo. Sonhava acordado com passeios de mão dada com o queixo duplo e a respectiva dona, ladeados por florzinhas do campo, premiados com o chilrear das avezinhas, só os três e mais ninguém...

De repente, a porta de entrada é escancarada, e é Tenco que chega, rindo-se para Paoli que vem atrás de si. O espanta-espíritos faz acordar dona Bonagura que se desencosta como uma mola e, atarantada, deixa escapar um franco e generoso "pum" que se encontrava inocentemente preso desde a hora do almoço. Bongusto congela o gesto e fica a olhar para a mulher que, por sua vez, retribuí o olhar ainda meio sonolenta. Os dois ficam uma eternidade assim, até que Bangusto pergunta finalmente:
- A senhora dupla quer casar comigo?

* Wunderburg era tão suíço que apenas usava sabonetes de pH neutro.
** A senhora não tinha queixo duplo, mas nascera com um archote entre as pernas.
*** Primeiro e único indício do desfecho da história.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Ontem, a preto e branco
Hoje, a cores

quinta-feira, agosto 05, 2010

No tempo em que os animais falavam

- Desculpem interromper, criaturas criadas por Deus meu pai, mas...saberão dizer-me porque é que ninguém gosta de mim? - perguntou Jesus às criaturas de Deus seu pai.
- Ainda bem que me fazes essa pergunta - disse a formiga.
- Posso responder eu? - perguntou a cigarra.
- Sim, se souberes a resposta - respondeu a formiga.
- Como assim, "se souber a resposta"?! - perguntou a cigarra.
- Passas o dia a cantar, não podes saber a resposta a uma pergunta tão difícil - respondeu a formiga.
- E tu que passas o dia de um lado para o outro, já nem sequer tens tempo para pensar? - respondeu a cigarra.
A formiga não teve tempo para responder. Jesus misericordioso abre o guarda-sol que traz sempre consigo*, pisa as duas criaturas e abandona o local. Mais adiante, encontra a lebre e a tartaruga em cima de uma linha de partida.
- Criaturas de Deus meu pai, desculpem interromper, mas poderão dizer-me porque é que ninguém gosta de mim? - perguntou novamente Jesus.
- Aindabemquemefazessapergunta - disse a lebre.
- Posso...responder...eu? - perguntou a tartaruga.

* Jesus abria o guarda-sol quando não queria que Deus Pai visse algo que talvez não fosse muito do seu agrado.

Novo quadro pró gabinete