sexta-feira, dezembro 19, 2008

Caldos Knorr


vejam-no
vejam-no bem
o chef mira
à sua volta
("sua", estimado leitor)
com extrema unção
confecciona e
apura o tempero
a puxar o picante
usa coagens,
usa alavancagens
usa receitas tradicionais
portuguesas
um gourmet com

o anelar enfiado
no passevit
fez sempre
tudo às claras
até picou carne
que não era sua
("sua", estimado doutor)
os comensais
são cristos-reis
assim redentores
e nunca apresentaram
uma única queixa
até agora

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Piss Mooning


Gilbert and George

terça-feira, dezembro 16, 2008

Mikado


A memória funciona como as marés. Associei agora a tua prenda à entrevista de trabalho que tive com gestor de hotel japonês que gostava de se vestir de camareira. Um homem de uma cordialidade datada, excessiva, quase incómoda, mesmo para um oriental. Gostava de cirandar pelos longos corredores do hotel com um caniche branco e prestar serviços especiais a todos os executivos ocidentais que usufruíssem do protocolo com multinacionais. Nessa altura, a conduta do gestor já não era segredo para nenhum dos funcionários do hotel. Mas, sabes como são os japoneses, preferem enfiar um sabre na barriga a questionar os seus superiores. Os últimos pisos, os mais luxuosos, estavam sempre ocupados. Um dos serviços consistia em deixar cair um mikado que era uma pequena lembrança do hotel. Quase todos os americanos eram prestáveis e baixavam-se para ajudar o gestor-camareira. Antes que dessem conta, estavam os dois ajoelhados a tentar tirar os pauzinhos com o maior dos cuidados. Assim que o gestor-camareira abandonava o quarto, os clientes pensavam muito nas suas consortes e ligavam para casa para falarem dos filhos e de coisas banais.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Os Quatro Velhotes


Leon Kossoff

Eram quatro. Depois de encherem o bandulho com pratos postos sempre em dia, juntavam-se na praceta do município e elaboravam grandiosos espectáculos de água. Um deles chegou a cuspir um dente de ouro mas não se arreliou muito com isso. Era um pouco vagaroso mas sabia expelir pequenos jactos amarelados e intermitentes das orelhas elefantinas. O das sobrancelhas bastas e pretas arrotava ao sabor do vento e era muito teatral, sabia fazer elipses e parábolas que faziam parar as maezinhas e os meninos. O terceiro fora adido de embaixada e era todo bem falante: descrevia uma longa e ornamentada introdução e devolvia educadamente as moedas castanhas no final do espectáculo. O mais novo chamava-se Tristão e usava uma touca de carmelita mas confessava-se devoto de Sta. Valha. Jaculava até onde a vista alcançava enquanto fumava cigarrilhas de baunilha. Executava sempre o solo das águas revoltosas e era o único que verdadeiramente possuía alma de artista.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Com o cartucho encaixado
na cabeça rapada,
o fiel de armazém sai
daquela cena tremenda
coça a barba passa-piolho
do encarregado, trepa
pela escada de metal saudando
os quebra-luzes de design.
Pede inabilmente à menina
Gwendoline gaga da
secretaria para expelir um gemido
convulsivo no sentido contrário
ao dos ponteiros do relógio.

Não deixa de ser possível
que todos os funcionários
dignos dessa categoria
se sintam em dívida
quando ouvem a sirene
naquele final de Acto.