domingo, agosto 31, 2008

Karamba, karacho, ein Whisky

Hoje cantamos Heino, amanhã reconquistamos o mundo.

sábado, agosto 30, 2008

Pascal, o Croupier


Pascal era o croupier mais antigo do Grand Napoleon. Ipso facto era o mais experiente do casino. Era igualmente o único croupier do único casino da ilha de Sta. Helena. Ao contrário do montante e do juzante daquilo que possam pensar, Pascal não gostava das suas mãos e usava luvas pretas de seda perfumadas. Via-se obrigado a interromper o seu trabalho com bastante frequência para lavá-las com sabão de marselha, pois emitiam um intenso odor a resina. O sogro da sua ex-mulher, "o melhor ex-sogro que eu já tive" segundo a escala afectiva de Pascal, acreditava (de forma obstinada e pouco razoável como só os cinquentenários sabem acreditar) que o nosso herói sofria do Síndrome de Pilatos e que isso arruinou o casamento com a sua filha do meio. Mas, como já decerto pestanejaram, o verdadeiro motivo era outro e não está nem um fio relacionado com o Estranho Caso dos Corações Triturados em Almofarizes de Bronze.

Como é costume em Sta. Helena, o casamento do primogénito é um sacramento combinado entre os pais dos futuros noivos. Quis o inclemente Destino que o irmão de Pascal morresse de disenteria nas minas de diamantes do Baixo Zaire. Pascal, enquanto legatário imediato, deveria honrar o compromisso assumido pelos pais e asssim o fez. Casou-se. Luísa amava Pascal, mas não era correspondida no seu amor. As primeiras semanas do jovem casal foram um verdadeiro suplício para o desafortunado croupier. A infelicidade e o pó reinavam naquela casa. Mas, numa noite sem luar e enquanto lavava as mãos, Pascal celebrou um pacto
consigo mesmo que o ajudaria a suportar a sua sorte. Fechou a torneira, olhou para o espelho e disse em voz baixa:
- As lágrimas secam mais depressa quando estamos perto de uma lareira.
Abriu novamente a torneira dourada e continuou a lavar as mãos.

terça-feira, agosto 26, 2008

Insónia seca


DuBois, Gerard


debruçado
na madrugada
vejo um
homem de fato
escuro
a passear
de andas
nas escamas sujas
da rua

uma televisão
aos gemidos
desliga-se e
a noite derrama-se
cada vez mais
sobre a rua

só por uma vez
gostaria que ele
levantasse
a cabeça do chão
e olhasse para cima

sou uma página
presa noutra página
que a noite avança
com as pontas dos dedos
negros e finos.

quinta-feira, agosto 21, 2008

O Judeu Abrahim e a Casa de Licores


No remoto cantão de Bons-Ares-do-Coração, havia uma casa de licores e bebidas espirituosas que ganhou fama na época pela venda de iogurtes de cabra-vesga e de manuais de convenções e regras para aspirantes a aristocratas.
As más-línguas (sempre certa concorrência viperina) propagavam que o fundador da loja, o judeu Abrahim, enriquecera por vias travessas: os difamadores juravam a todas as orelhas que queriam ouvir que a loja servia de fachada a um negócio paralelo de troca de títulos nobiliárquicos por generosas quantias de dinheiro por parte dos burgueses das cidades do lago. Abrahim, não podendo ostentar qualquer honra ou título devido à sua circuncidada condição, obrigava os nobres desesperados a executar uma dança bizarra para seu exclusivo e perverso deleite. Os dançarinos tinham de descrever movimentos circulares em torno do judeu que assistia a tudo sentado numa cadeira; se a dançarina fosse condessa ou até marquesa tinha de segurar uma galinha parideira à altura do ventre e empinar bem a cauda do vestido; mas se fosse homem, tinha de equilibrar um capão em cima do chapéu ou da peruca cacheada, enquanto girava e cuspia fogo.
Para se precaver contra prováveis vinganças ou até arrependimentos, o velho judeu pedia melifluamente à nata falida que assinasse um documento que salvaguardasse a sua pessoa e todos os seus familiares.

"Une loge d'Actrice", Victor Giraud

quarta-feira, agosto 20, 2008

no aeroporto


a alemã com
pernas de farol e
mãos abatatadas
sentou-se junto de mim
e aportuguesou
o seu pensamento:

"este aeroporto é o sítio mais bucólico
que eu conheço"

ousei olhar para ela
como um velho
sabujo olha para o
dono quando não
apanha a presa

segunda-feira, agosto 11, 2008

O Dia da Libertação do Homem Que Amava Demais


Chegou finalmente o dia.
O guarda prisional entregou-lhe os objectos pessoais que o estabelecimento prisional confiscara e guardara no primeiro dia da sua pena:
- um fato branco;
- um abacate em forma de coração e em perfeito estado de conservação (de acordo com as declarações do homem que amava demais, era a prova cabal da sua absoluta inocência);
- um par de collants;
- uma Bíblia ilustrada para principiantes;
- a sua amada; e
- um órgão hammond;
A pena fora-lhe reduzida pelo bom comportamento demonstrado, mas a sua detenção de cinco anos ficou registada no cadastro criminal. A partir deste dia, o homem que amava demais estava terminantemente proibido de amar fosse quem fosse, incluindo a sua própria mulher.

quinta-feira, agosto 07, 2008


Autor desconhecido

Um minuete e mil passos atrás


Os olhos feros
do velho visconde
rasgavam
a nuca, as mãos,
cada gesto feliz
e infeliz
do futuro
cunhado que
se deixava levar
pela bela Abelarda
ao som ondulante
do virtuoso quarteto

"Chega!", pensou
o noivo sem que
ninguém
suspeitasse que
estaria sequer a pensar.
Despeitado
com tamanho despudor,
afasta a pobre noiva e
vocifera com os
pulmões espremidos
de tanta ira:

- Esta mulher
sabe a açafrão!
A açafrão!

Abelarda cai
fulminada no chão.

Ninguém lhe acode.
Personne.

O uso de açafrão

era muito mal-visto
naquela província.



quarta-feira, agosto 06, 2008

Stripsearch - FNM

Sempre que estou à espera num check-in ou até na fila para o pão, dou por mim a trautear distraidamente esta melodia. O senhor P. tem um casaco de fato de treino igual ao meu. Não canto tão bem, confesso.

Estes tipos têm de ser juntar outra vez para fazer estragos no mainstream.

terça-feira, agosto 05, 2008

O Bigode do Proprietário do Estabelecimento




1. O portador da aparente anomalia mental ameaça processar o proprietário do estabelecimento, pois a sua anomalia nunca foi aparente.


2. O transeunte voluntário, estimulado pela comoção no interior do estabelecimento, entra e converte-se num cliente involuntário. O actual cliente involutário exige a sua condição primária e ameaça processar igualmente o proprietário do estabelecimento.

3. Os artigos expostos para consumo da casa ameaçam processar o proprietário do estabelecimento, pois a sua privacidade é exposta diariamente a estranhos.

4. O proprietário do estabelecimento resolve chamar a autoridade competente que, por sua vez, processa e detém o proprietário do estabelecimento, pois a data da sua competência expirou no dia anterior.


segunda-feira, agosto 04, 2008

O Hakentram

O Hakentram* passava invariavelmente às 7:10 h na praça central. Desde o fim da guerra que era utilizado para transportar a carne do matadouro para o mercado, atravessando toda a cidade. Os únicos utentes que pareciam não se importar com as carcaças eram alguns velhos-hienas e antigos soldados agora reabilitados em operários metalúrgicos de turnos. A prostituta noviça é a última a descer enquanto separa o dinheiro para pagar a renda ao irmão do seu pai.

*Hakentram: Tram (eléctrico) dos ganchos