quarta-feira, julho 30, 2008


De madrugada

evita

o contacto visual
com agentes em operações stop
são ex-dramaturgos fardados
criaturas sem sexo
que procuram a todo o custo
a musa Ment no teu semblante
de terror

se fores um deles
ou pior ainda
um poeta assexuado
sai do carro
atravessa a rotunda
foge a quatro patas

ser-te-á dado
um avanço de
alguns metros
para depois te
abaterem com uma
shotsong de revista

pensa naquilo
que jesus superstar
faria se estivesse
no teu lugar

sábado, julho 26, 2008

O criado do rei, o rei e o espelho




O criado do rei limpava o magnífico espelho que ocupava quase uma parede dos faustosos aposentos reais.
Ao longo de vinte anos e um quarto crescente, seu pai notabilizara-se neste ofício ao serviço do velho rei. Como era costume, e se o bom Deus assim o permitisse, o filho iria seguir as mesmas pisadas do pai. No momento seguinte, eis que o rei irrompe pelo quarto adentro agarrado à duquesa de Jaccuse-y, sua favorita dos dias ímpares, que se deixa agarrar com muito saber e algum prazer. O criado vê o reflexo distorcido do rei e começa a limpar de modo mais veemente a superfície acinzentada do espelho. O rei indigna-se, deixa Jaccuse-y alguns passos atrás e interpela o súbdito:
- Tu aí! Não saúdas o teu Rei?!
O criado volta-se, faz uma longa vénia e com os olhos sempre postos nos sapatos carmins do rei responde:
- Majestade! Amo tanto Vossa Majestade que
humildemente me arroguei a polir ainda mais a vossa imponente e bela figura reflectida neste espelho atrás de mim. Foi a única maneira que este seu simples súbdito encontrou de vos prestar homenagem e admiração. Mil vezes perdão, Majestade.
O rei, comovido com tamanha dedicação à sua real e abundante figura, levou a mão pálida ao peito insuflado e proferiu as seguintes palavras de costas voltadas para o criado:
- Pois hoje será o último dia que limpas esse espelho, criado. Ordenamos-te que te vires e continues a limpá-lo com igual zelo enquanto o teu rei estiver no leito com sua senhoria, a duquesa. Apresenta-te amanhã no nosso gabinete. Iremos nomear-te moço de câmara.

quinta-feira, julho 24, 2008


Sergio Mora


De onde eu venho, estrangeiro, os mancebos usam um véu que é passado de pais para filhos e não há homens feios nem homens belos: todos são iguais aos olhos do nosso deus. A paixão e o tédio devem ser evitados a todo o custo e a cópula é consumada apenas para garantir descendência: o pai do mancebo deverá estar presente no acto para abençoar o casal. Ter um filho é sempre uma benção e ter um pai casto e que trate da prole é uma benção ainda maior. Em casos de adultério ou de luxúria, o véu é queimado e a genitália do adúltero é esfoliada com tojo e pedras de sal grosso pelos membros mais velhos do conselho. Os votos do matrimónio são renovados ao fim de seis meses ao longo da vida. O sémen libertado, que deverá ser sempre em grande abundância, servirá de adubo para as colheitas da aldeia.
Fala-me agora um pouco sobre teus costumes, estrangeiro.

quarta-feira, julho 23, 2008

O alce




Quando saí da casa de banho com a mão ainda na braguilha, vi o alce sentado no meu lugar ao balcão. Tranquei-me no wc e esperei que fosse embora. As suas histórias de ultramar sempre me aborreceram de morte.

segunda-feira, julho 21, 2008

O Vendedor de Esporas


- Quanto? Creio que não entendi bem.
- Por ser para si, minha cara senhora, leva um par de esporas por uns míseros 130 Cruéis. E não se fala mais nisso!
Slaaam! A mulher bateu a porta com tal violência que o pobre vendedor não teve tempo para esboçar sequer um gesto. Gassiot virou-se e desceu o único degrau do alpendre, pousou no sintéctico a velha maleta, companheira de milhares de quilómetros terrestres e do dobro dos insucessos, olhou para a constelação de Crânio de Vsulatte durante cerca de dez barbhas* e foi um ar que se lhe deu: desatou a correr pela alameda das Mandíbulas como um sprinter desalmado, com a língua vermelhusca de fora como os
extintos coiotes, deixando cair esporas dos bolsos pelo caminho. Alguns colonos abanavam com a cabeça em sinal de reprovação, outros recolhiam as esporas do chão, enquanto outros riam trocistas. Logo atrás de Gassiot, formou-se um pelotão de crianças aos berros e de schoppencanis que largavam pequenos grânulos pastosos altamente corrosivos, muito semelhantes às caganitas de ratos-alados ou pombos sagrados.
Quando finalmente parou na orla da Grande Floresta Virginal, apoiou-se com o braço num tronco viscoso para recuperar o fôlego. A pequena multidão de ocasião tinha ficado para trás. Sentou-se, meteu a cabeça entre as pernas com as mãos enlaçadas em cima da nuca. Gassiot começou a suspirar por belas barítonas de peitos roliços que poderia receber se a Fortuna o ajudasse a descobrir novos pontos cardeais. O Grão-Pai assistiu a tudo isto (incluindo naturalmente o sonho acordado de Gassiot) através do BioMonitor e iniciou oficialmente o seu sofrimento em silêncio, impotente.


*equivalente a 14,5 segundos em unidades temporais antigas

sexta-feira, julho 18, 2008


Unica Zürn

quinta-feira, julho 17, 2008

A praia

O Sal
-va-vidas

(O Pa
-pá fuma de pé
- fora do guarda
-sol e monitoriza
potenciais
estados de perigo
no extenso areal
A Ma

-mã grelha o farto peito,
bem oleado e acobreado,
ensina a criança a afastar-se
lentamente
A Cria

-nça e a bola
transformam-se numa
anénoma e num peixe-balão

lá no fundo do Mar)

hasteia a bandeira
multicolor
e beladormece.

Como Matar um Velho Bastardo por Trepanação



Volta atrás na tuas três últimas tomadas de decisão capitais. Exibe dramaticamente o teu arrependimento se um dos visados for um campeão de luta livre mongol. Antes de terminares, mantém-te imóvel por alguns segundos e deixa-o cheirar o teu cachaço encharcado em suor. Recorrendo à linguagem gestual, pergunta-lhe delicadamente se podes lavar-lhe os pés amarelos. Guarda um quartilho dessa água no teu cantil. Apanha o transiberiano, recolhe lascas de madeira fossilizada em todos os apeadeiros. Em Omsk, seduz e copula com a filha mais velha do bastardo mais rico da cidade. Ocupa um velho quarto na cidadela durante noventa dias e aprende a língua através de manuais de Anatomia do século XIX. Deves sair durante o crepúsculo e ingerir apenas carne vermelha, sementes de abóbora e água fervida. Por fim, o velho bastardo que sofre em silêncio mandará chamar-te à sua presença através da filha. A tua intervenção providencial acabará com o seu sofrimento fétido que empasta o ar da cidadela. Não esperes ser recompensado.

quinta-feira, julho 10, 2008

O embaixador das alpercatas




O embaixador das alpercatas ergueu a taça em direcção à luz macia que a fantástica clarabóia peneirava naquele fim de tarde e expeliu num tom meio blasé:

- O meu amigo sabe que não é preciso um grande esforço para ser um imbecil nesta encarnação. Você gatinha, tropeça, anda, corre e fornica. Ora onde está aqui a dificuldade? Você ri-se, porque o seu subconsciente lhe faz cócegas para rir. A partir da mais tenra idade, o nosso instinto de sobrevivência força-nos a agir sob o deus da mediocridade que a nossa populaça idolatra até ao caixão. Depois há vários níveis. Vai desde ao rubor das bochechas, ao peito insuflado, ao olhar bovino, são sintomas infalíveis, certeiros como a morte. Como o meu filho néscio, embotado, que ainda pede à mulher para lhe sacudir a gaita. E a sua matrona mãe, ex-carmelita, que pergunta todos os dias por ele como se estivesse nas colónias perdidas a combater. Imbecil até ao osso. Não saiu a mim! Arre que estou seco, mais uma golada (...). Hum. Você é aquele pequeno lagarto azul que trepa pela parede, está a ver? Ali, ali, homem.

Absolutamente a não perder

A Caravana continua a passar (em Guimarães, desta feita), o lobo uiva e os cães continuam a ladrar.

terça-feira, julho 08, 2008


Em Hotan, na província de Xinjiang, os rendeiros batem à porta de casas desabitadas. Acreditam que os espíritos não devem ser surpreendidos e, por isso, têm de ser avisados.
Os mais velhos ainda batem palmas antes de abandonarem a casa para que espíritos e objectos de culto tomem conhecimento da sua saída.

Igreja dos Discos Pedidos dos Últimos Dias



Os pré-requisitos de admissão consistem na perda gloriosa da Fé e no absoluto desprezo pelo Destino. Não sofrer de halitose é considerado um dom suplementar no momento da comunhão. A congregação foi fundada nos anos 20 por um bispo melómano. O "bispo" era o único habitante da povoação que possuia telefonia e telefone. Uma vez perguntaram-lhe o porquê da fundação da seita:

- Toda a minha vida andei com uma bomba ao colo como um bom penitente cristão. A minha vida era um grande meio-termo cinzento. Na manhã de uma Quinta-feira Santa, deixei cair a bomba por acidente e, em vez de chorar, comecei a cantar o "Trouble is a Man". Já não me lembro quem cantava esta música. Lágrimas de felicidade caíram-me pelo rosto e liguei a toda a gente que conhecia para apregoar a Boa Nova.

sábado, julho 05, 2008

Partilha



uma cabeça d'icterícia lança-me
um convite irrecusável
sobre o resguardo verde
de um mictório secular

resisto
ao apelo biológico
e armado em bom
sigo o meu caminho

o olhar aliviado
da cabeça
quando ouso olhar
para trás
inferniza-me
até casa

sexta-feira, julho 04, 2008

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