quarta-feira, novembro 28, 2007

Trabalho de Sísifo



O grande rochedo de mármore que nunca deixará de rolar pela montanha abaixo. Será sempre assim. Não há qualquer tipo de heroísmo aqui. Apenas um longo caminho fatalista que julgo contornar com palavras e pequenos prazeres que actuam como sedativos ou estimulantes. Ao longo desse caminho, senhoras de preto e meninas com um ar intrigado dão-me de beber. "O caminho é só um". Uma angústia agridoce percorre-me o corpo, o prazer do recomeço, regado e fortalecido pelo tempo. No entanto, sou mais forte do que Deus e mais feliz do que os pobres coitados que se iludem com a cenoura da imortalidade.

quinta-feira, novembro 22, 2007


Asger Jorn

quarta-feira, novembro 21, 2007

Prisão



Com as cordas partidas
e a borra da lua
Paganini fazia lagartos
sem cabeça
pela noite dentro
e punha-os na janela
quando o sol nascia

passariam anos
até que os lagartos
crescessem e
voltassem a ser dedos

chegara a hora

seguido pelo medo
conseguiu fugir
nunca olhou
para trás

"Pai"
foi o único espólio
que encontraram
no seu cárcere

quinta-feira, novembro 15, 2007

terça-feira, novembro 13, 2007



a árvore do meu jardim
chama-se Redenção

os frutos que irão cair maduros
querem
ser Poesia
antes de caírem no solo

por força da minha gravidade

sexta-feira, novembro 09, 2007



Son House (1902-1988)

terça-feira, novembro 06, 2007

O Monsenhor



Era frequente procurarem Monsenhor apenas para verem de perto a figura que andava na boca do povo naqueles dias. Monsenhor nunca se furtava de receber essas pesssoas em sua casa, embora não se sentisse particularmente envaidecido por tal curiosidade. Naturalmente, o velho caseiro de Monsenhor não tinha mãos a medir com tantas oblatas e lembranças que se acumulavam nos corredores. Mas Monsenhor não era um clérigo comum. Alimentava a fugaz esperança de poder vir a conhecer alguém extraordinário, alguma ovelha irreverente que se destacasse daquele monótono rebanho. Quando não estava a celebrar eucaristias, Monsenhor fazia questão de empregar a sua língua mãe, o romanche, o que lhe conferia um ar ainda mais distinto e reverencial. A esmagadora maioria dos fiéis limitava-se a acenar com a cabeça a tudo aquilo que Monsenhor proferia. Porém, Monsenhor era selectivo quando se dedicava ao sagrado sacramento da Confissão. Monsenhor gostava de cheirar rapé enquanto ouvia a ladainha dos seus penitentes e de cantarolar baixinho a Tosca que brotava do velho gramofone que guardava no confessionário. Os seus amados pais ofereceram a relíquia antes de Monsenhor partir para a sua primeira missão no Congo. Em boa verdade, Monsenhor segregava devotos para a Confissão: às Terças, ouvia apenas jovens poetas cujo primeiro nome fosse Tristan ou Hans, para além de todos os outros bastardos que comprovassem a sua condição; às Quintas, sentenciava as jovens mamãs da região, cães e outros quadrúpedes que faziam fila em torno da velha igreja. Decerto compreenderão que era extremamente penoso para Monsenhor libertar-se de velhos hábitos dadaístas que carregava consigo desde os tempos atribulados da sua mocidade. Era esta a sua verdadeira vocação.

domingo, novembro 04, 2007

O Verão vai embora

O cardo adula com penugem tenra

A papoila arroja de si o vestido
como uma grávida

A macela desfia
pelos botões

A chicória fecha-se
e encanece




"Poemas", Reiner Kunze
Trad.: Luiz Videira e Renato Correia
Paisagem Editora, 1984

Minguante nº 8