sexta-feira, junho 29, 2007

É a lançadeira dos versos

É a lançadeira dos versos
o tear do mal
o zigzag sorridente
dos pontos de sutura.
Se o mundo é um pano encharcado
embebido em morte
cose-o docemente
não o apertes
não deixes fugir a substância
que o mantém unido
sustém a respiração
faz passar o fio
liga se puderes aquela água
ao remendo visível
que me estraga o casaco.

In "A Espinha do P", Valerio Magrelli
Trad. Colectiva, Poetas em Mateus
Quetzal

quinta-feira, junho 28, 2007

Rebellion (Lies)


Fernand Léger

Everytime you close your eyes: lies-lies!

Everytime you close your eyes: lies-lies!


Não sentem já o cheiro da rebelião no ar?
Gostava de ser o violinista de camisa e calças brancas, lá atrás. Não só pela roupa, como também pela visão privilegiada da actuação do senhor do timbalão.

terça-feira, junho 26, 2007

Os bichinhos


Walton Ford

Bem, se quer saber a verdade, tenho sérias reservas sobre essa sua divisão patranheira e simplista da cigarra e da formiga que se aventuram nos mangues luxuriantes da literatura. O meu venturoso amigo não me levará a mal, pois não? A sua formiga não teme os papa-formigas, não se desvia do seu trilho por nada deste mundo. E não sabe parar, trabalha
fustigada pelo seu próprio chicote, trabalha miseravelmente para se precaver contra dias de maior penúria. Já a cigarra, cheia de talento e cheia de si, deslumbra os outros bichinhos com a sua novíssima poesia...mas a maior parte destas cigarras tem uma esperança de vida muito reduzida. Eu consigo vislumbrar mais bichinhos no nosso ecossistema literário, sabe? Há pântanos com velhos crocodilos que passam o tempo a chorar crónicas e que não já comem há anos. E depois temos macacos de imitação e flamingos cor-de-rosa que fazem e vendem best-sellers à velocidade da luz. Que diz? Não sei o que digo? Hum. Desde pequeno que gosto muito de escaravelhos, os meus versos rolam ao sabor daquela matéria quente que é trabalhada pelos escaravelhos. Confesso-lhe que tenho noites em que chego a sentir alguma repugnância por aquilo que faço, mas só vejo um caminho a seguir.

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Cavalheiro adopta poeta em bom estado.
Sou meigo e culto. Bom status.
Compromisso sério. Ternura dos 40.

Hey Joe

(...)
- Hey Joe, where you goin' with that gun in your hand?
- I'm goin down to shoot the old Mega, you know I caught him messin' round (...).

sábado, junho 23, 2007

Cartão de Natal


Antoni Tápies

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.

in Obra Completa, João Cabral de Melo Neto
Editora Nova Aguilar, 1994


sexta-feira, junho 22, 2007

Avaria no sistema

Diacho. Entraram partículas de areia na engrenagem primária deste blogue que, pelos vistos, estão a afectar o depósito de comentários e a edição de posts. O actual é um refugo, um dummie, não liguem. Vou ter de chamar o técnico. Nunca fui muito hábil com máquinas.
Bem, fiquem por aí e leiam umas revistinhas enquanto esperam. São do mês passado, mas têm fotos de gente bonita e receitas de culinária.

quinta-feira, junho 21, 2007

Cair

Todos nós acabamos por cair e perder a graça. Tropeçamos em fantasmas que não conseguimos ver. A questão aqui é saber como cair. Temos de aprender a cair.

terça-feira, junho 19, 2007

O Tempo Que Faz Agora (para os petizes e não só)



O Sr. Matias, o velho operador da máquina do tempo e das estações, está prestes a entrar na pré-reforma e está a marimbar-se imperialmente para o serviço. Não muda o filtro do óleo das nuvens há alguns meses e já foi apanhado várias vezes a dormir durante o horário de expediente.
Pedro, o jovem aprendiz, acha-lhe piada e não perde a oportunidade para experimentar os muitos botões e alavancas do aparelhómetro sempre que o velho mestre passa pelas brasas.
O tempo do sr. Matias já era.


Nota:
Na mais remota hipótese de vir a encalhar neste blogue, agradeço-lhe por esta bela imagem. Roubei-a indecentemente do seu blogue (não me recordo do nome, sou desprezível, eu sei), espero que me perdoe.

sexta-feira, junho 15, 2007

Poema-pássaro (rev.)


Marc Burckhardt


jesus chamou-te uma vez
e tu não escutaste


chamou-te uma segunda vez
e pela janela aberta
tu fugiste


não mentirás desta vez
porque jesus tudo vê,
tudo escuta.


meio dia a meio da noite.
os cisnes presos em elipses
repetidas até ao infinito
no papel de parede
olham para mim
só com um olho amarelo
estão proibidos de
grasnar seja o que for
abateram-me este tempo todo
e agora estou deitado
de camisa azul desbotada
e peúgas ásperas de suor seco
confiei no teu Deus
mas libertei-me desse teu pavor
e agora tenho fome.

quarta-feira, junho 13, 2007

A história do pastor


Ian Hamilton Finlay

A seguir a história do pastor.
O pastor vivia em Goinge, floresta normanda.
Era filho dos senhores da Escânia
hoje conhecedores de ciências.
Aos vinte anos sabia já
distinguir as ervas
curava com esmero os golpes do gado.

Entretinha-se com o queixo.
E todos os arroios
o conheciam de sol a sol.

Aos vinte e seis anos
casou com Dourada, a rapariga débil.
Aos trinta
viu realizar-se um sonho antigo:
receber os primos no pátio.
Abriu então cervejas
fritou amêndoas
falou pela primeira vez de nostalgia.


in "O Afastamento Está Ali Sentado"
Daniel Maia-Pinto Rodrigues

Quasi

terça-feira, junho 12, 2007

teddy


tenho a dizer que o ted hughes era o stewart granger dos poetas. acham que estou a ser redutor e algo oco, estão no vosso direito. mas ele era mesmo bom. a plath é que não aguentou a pedalada. mas ela era melhor ainda.

sexta-feira, junho 08, 2007

Coffee break


Phyllis Bramson

Trabalho IV

  • dei-me conta agora mesmo que se algum dia precisar de escrever para comer, vou passar muita fome. mais grave ainda, não sei se tenho tendência para ser barregão das editoras e escrever coisas a metro (que porco pretensioso).
  • estou hoje exilado no meu escritório com quase 30 almas à minha volta. estão visivelmente contentes por não terem feito "ponte". parecem japoneses.
  • vou ao WC fazer caretas em frente ao espelho e depois cortar as unhas.
  • quero ser escanção para poder cuspir vinho caro a toda a hora. sempre me pareceu um gesto que transmite alguma luxúria romana, todas aquelas bacantes. preferível a cuspir palavras azedas e impulsivas como estas que me fazem azia. as gavetas são os tonéis dos escritores, servem para amadurecer as palavras.
  • depois de amanhã, se tudo correr bem, é domingo. não trabalharás.

quarta-feira, junho 06, 2007

Maypole dancing

quais são os sintomas? ora bem, são pequenas palavras pretas e cor-de-rosa a dançar de mãos dadas em cima da minha cabeça. bailam e saltam à volta de um post, com fitas transparentes e flores de maio. uma delas tropeçou e fez doi doi em cima do meu olho esquerdo.
e agora tenho o olho um pouco inchado.

prémio "melhor post"

preciso tanto de certos posts como de um cu no cotovelo (onde será que ouvi isto?).
bem, fiquem mais um pouquinho.
isto promete.

Phyllis Bramson

segunda-feira, junho 04, 2007

Erik Satie


Erik Satie por Igor Stravinsky

- Se o meu caro amigo quiser conduzir esta tépida conversa para as áreas minadas do fundamentalismo - prosseguiu o velho ayatollah, visivelmente crispado e curvando as fartas sobrancelhas pretas - então teremos de falar necessariamente do infiel Erik Satie. Quero que compreenda duas coisas: não preciso de sermões inflamados para me fazer respeitar perante o meu povo, o Livro Sagrado é o diário do profeta, devemos a nossa vida ao profeta e a deus, nem tampouco preciso dos ocidentais, sempre foram apêndices ridículos da nossa grande Civilização. A História prova isso mesmo. Porém, olho para os actos do Nazareno da mesma forma que olho para os de um mártir. Presto-Lhe a devida reverência, nada mais. Mas a tafularia dos vossos pregadores diverte-me. Um homem da minha posição não deveria dizer isto, mas Alá sussurra-me ao ouvido e diz-me que posso confiar no meu amigo - o velho inspirou profundamente durante alguns segundos e continuou - reconheço um paladino quando vejo um, de coração puro, ainda que seja infiel e ignore muitos factos. Ora bem, Erik Satie fundou o seu próprio culto, a Igreja Metropolitana de Arte de Jesus Condutor. Satie era músico, como decerto será do seu conhecimento, mas não gostava de ser tratado como tal. Via-se antes como um fonólogo, um cientista do som e da voz, chegando a pesar e a limpar as notas musicais! Exconjurou ateus, ímpios, livres-pensadores simoníacos, judeus e hereges anglicanos apenas por questionarem o seu trabalho. Não olhe para mim assim. Qualquer criança sabe isto. Quer que continue? Foi o único membro da sua Igreja, autoelegendo-se como Papa para emitir encíclicas inflamadas contra os críticos da sua música. E porquê? Pois bem, o francês orquestrava música para motores de aeroplanos, tômbolas de lotaria e máquinas de escrever. Chegava a oferecer as suas composições aos amigos na forma de aviões de papel! E agora pergunto-lhe a si, meu caro amigo: até onde pode ir a loucura de um homem?

sexta-feira, junho 01, 2007

Nada



Mary Kelly